Bem-estar e felicidade

Usas bicicleta porque trabalhas perto de casa ou trabalhas perto de casa para poderes usar a bicicleta?

Por acaso a opção da bicicleta surgiu com o nascimento do meu filho, há 3 anos. Como fazer para o ir buscar / levar ao berçário? Só temos um carro, que a minha mulher utiliza em deslocações para fora de Lisboa, e levá-lo à pendura na scooter estava fora de questão (pelo menos até aos 7 anos). O percurso também é demasiado longo para ir a pé (5 km, ida e volta). Lembrei-me da minha visita a Copenhaga, onde as bicicletas abundam e é banal ver as mães e pais transportarem os filhos de bicicleta. Uma imagem tão bonita, quanto racional. Estava tomada a decisão. E nem imaginas o prazer que é (para mim e para ele) fazer o percurso até à escola: não gasto um tostão de gasolina, não poluo nem congestiono, queimo umas calorias pelo caminho e ainda desfruto duma vista privilegiada.
O facto de ter o meu negócio – a Cineteka – ao pé de casa, também contribuiu para eleger a bicicleta como o meio de transporte principal para deslocações nas imediações do Parque das Nações (PN).

Que opinião tens sobre a forma como os portugueses se deslocam e porquê?

A minha opinião é que uma percentagem demasiado elevada dos portugueses é comodista, vaidosa e facilmente influenciável pelas “modas”. Ter um carro é uma espécie de objectivo de vida dum jovem português de 18 anos, uma manifestação de independência, uma forma de se sentirem seguros… Por comparação, um jovem dum país nórdico ambiciona viajar pelo mundo. É mais barato, não fica agarrado a seguros, imposto de circulação e revisões anuais, prestações mensais e a preços de combustível galopantes.  

Como achas que se deviam deslocar?

Em locais planos e trajectos curtos, como é o caso do bairro do PN, a bicicleta é sem dúvida a melhor opção.
Para trajectos mais longos, a escolha deveria recair primeiro na rede de transportes públicos e depois na opção scooter/pequeno motociclo. Como sabem, há poucos anos passou a ser possível conduzir motociclos até 125cc com a carta de carro. Esta opção traz inúmeras vantagens: uma scooter é muito mais barata que qualquer automóvel, não só no custo de aquisição, como na manutenção, seguros, isenção de imposto de selo, além de que consome e polui muito menos e estaciona-se em qualquer lugar, ocupando muito menos espaço. Infelizmente a moda ainda não pegou e continuo a ver mesmo muito poucas scooters quando comparado com uma qualquer Sevilha, Barcelona, Madrid, Paris, Roma, etc… E pergunto-me como é possível que as pessoas continuem a não encarar seriamente esta opção, preferindo agonizar em filas intermináveis de pára/arranca e depois na caça ao lugar de estacionamento perto do trabalho/universidade? Utilizo a scooter como meio de transporte há mais de 20 anos e só vejo vantagens.
O carro deveria ser a última opção e justificada por uma necessidade palpável. Só deveríamos usar o carro quando somos mais de dois passageiros, ou caso tenhamos que transportar alguma coisa, ou quando não existem alternativas (bicicleta, transportes públicos, scooter).
Tenho a certeza de que 20% das pessoas que usam o carro no dia-a-dia, podiam fazer o “switch”. E 20% menos de carros a circular faz toda a diferença a vários níveis.

Como é que a tua forma de mobilidade mudou o teu dia-a-dia? Que mudanças trouxe para ti e para a tua vida?

Por um lado trouxe uma enorme poupança no orçamento mensal. Agora olho para trás e penso na estupidez que seria sustentar dois carros. Usar a bicicleta dá-me uma sensação de bem-estar e felicidade. Já somos tão poluidores com o nosso estilo de vida ocidental (Já pensaste na quantidade de lixo que produzimos por dia, apenas com a nossa higiene e alimentação?), que pelo menos é uma forma de nos sentirmos mais em harmonia com o mundo. Também me faz sentir mais integrado com o nosso bairro, pois os extremos norte e sul, do PN, ficam mais próximos, percorremos percursos mais interessantes, junto ao rio por exemplo, e podemos cumprimentar um vizinho pelo caminho. De carro seria mais difícil….

Uma das razões que levou ao urban sprawl foi precisamente o aumento da capacidade financeira dos agregados familiares portugueses (nomeadamente na mulher) possibilitando o aumento do parque automóvel permitindo a deslocação da periferia para a cidade. Achas que a actual situação económica vai alterar o estigma de sermos um dos países com maior parque automóvel por agregado familiar? Achas que o carro vai deixar de ser tão prioritário?

Para bem de todos nós e da felicidade das pessoas que conseguirem fazer o “desmame” do carro, eu espero que sim. Gostava que cada vez mais pessoas percebessem que sustentar o seu carrinho que as transporta todos os dias sozinhas pela cidade, não lhes traz felicidade, nem independência nem segurança. Traz sim mais poluição, despesas, stresse e preocupações. Libertem-se! Tomem decisões mais racionais e sejam mais felizes. Nos países pobres as pessoas andam de transportes públicos, bicicleta e motociclo porque não podem sustentar um carro. Nos países desenvolvidos as pessoas também andam de transportes públicos, bicicleta e motociclo porque é mais racional e sustentável. Em Portugal as pessoas amam os seus carros… porque será? Não sei se vai ser fácil mudar esta dependência do automóvel. Há mais de 2 anos que vou regularmente buscar ou levar o meu filho à escola de bicicleta. Achei que vendo o exemplo, outros seguiriam os meus passos, ou as minhas pedaladas. Infelizmente continuo a ser o único. Apesar de ser uma IPSS, o que não faltam são bons carros à porta… a contrastar com a minha “pasteleira” que custou 200 euros.

De que forma achas que se conseguiria ter uma mobilidade mais sustentável?

Sensibilizando as pessoas para que o carro só deve ser usado em caso de necessidade. Mostrando o exemplo das outras cidades europeias. Incentivando e desmistificando a imagem que os jovens e uma boa parte da população têm dos transportes públicos. Ainda este Domingo, estava só com o meu filho e aproveitei para irmos até à praia. Como éramos só os dois, optei por irmos de transportes públicos. Apanhámos o autocarro 28 até ao Cais do Sodré e aí o comboio até ao Estoril. A viagem correu na perfeição, cumprindo eficazmente o objectivo de nos levar ao nosso destino, e foi bem mais divertido, ecológico e económico do que ir de “enlatado”.
No caso concreto do PN, acho que uma campanha de “outdoors” e até um concurso promovido pelo “Notícias do Parque” e nas redes sociais da AMCPN e da Parque Expo, que promovesse o uso continuado da bicicleta no dia-a-dia, porque não?